segunda-feira, 24 de novembro de 2025

Poder e Responsabilidade no RPG

Saudações, guerreiros da Luz.

Buscando em backups sobreviventes dos destruídos Salões de Valhalla assuntos que hoje ainda teriam relevância, me deparei com um pergaminho que infelizmente, se mostra hoje ainda mais atual do que era em 2022, quando fora escrito. 

Isso é ainda mais verdadeiro por conta do iminente lançamento da animação das aventuras do grupo Mighty Nein (criado pelo Critical Role, os mesmos jogadores de Vox Machina).

Aqueles que conhecem um pouco do legado de Robert Jordan (pseudônimo do autor da série A Roda do Tempo, recentemente execrada pela Amamon) sabem que ele era um artilheiro de helicóptero do exército na guerra do Vietnam e também mestre e jogador de AD&D. Em alguns textos autobiográficos, o autor relata que nas campanhas que mestrava para seus filhos, utilizava o jogo como forma de ensiná-los sobre a importância das escolhas que fazemos; evidenciando, mesmo nos pequenos acontecimentos da aventura, que somos responsáveis por nossas escolhas e que elas sempre terão consequências.

No vídeo do canal Dungeon Craft abaixo, compartilhado por Gronark (meus agradecimentos a ele e a seu irmão que encontrou o mesmo), vemos um caso muito interessante ocorrido em uma aventura do grupo Vox Machina, envolvendo abuso de poder e falta de discernimento por parte daqueles que deveriam ser os “heróis” da história.




Como disse anos atrás, não estou destacando esse triste episódio para criticar Matthew Mercer (o mestre do jogo) ou os jogadores do grupo em particular. Não sou fã de Critical Role, de seus personagens e nem mesmo dos jogadores do grupo, mas isso não vem ao caso aqui. Os jogadores fizeram escolhas ruins e sofreram, mesmo que de forma branda, as consequências de seus atos. Este tipo de problema ocorre com frequência em grupos iniciantes em que os jogadores se sentem muito poderosos e justificados, e é neste ponto que eu gostaria de trabalhar um pouco. Isso porque como os mais velhos de nós podem constatar, é muito comum que comportamentos que ocorrem na mesa de jogo sejam extrapolados, dentro das devidas proporções, para a vida real.

Na época, por curiosidade eu pesquisava um pouco sobre os streamings de D&D que se tornaram bastante populares dentro do meio durante a pandemia. E é interessante, e preocupante também, notar os tipos de personagens que são feitos pelos jogadores. Na maioria esmagadora das vezes, são criaturas desajustadas em diferentes níveis, que possuem várias classes misturadas em combinações bizarras e que pensam apenas em si mesmos. Quando os alinhamentos morais são usados, é literalmente para enfeitar as planilhas, porque o comportamento padrão é apenas fazer o que se tem vontade naquele momento. O mais alarmante é que esses personagens sempre se parecem fisicamente com seus jogadores, como se fossem uma “versão RPG” dos mesmos”.  Não há tentativas de se criar heróis como Sam, Gandalf ou Aragon. Os protagonistas são apenas caricaturas superpoderosas em busca de satisfazer algum desejo ou capricho próprio.

Outro problema sério que vejo é que os mestres dessas campanhas se mostram bem resistentes a deixar que os jogadores colham as consequências de seus atos por medo de ofendê-los (especialmente porque esses personagens, apesar de parecerem figuras de MMOs, são praticamente extensões de seus jogadores). Isso cria uma situação em que os jogos ficam cada vez mais parecidos com MMOs de computador, os jogadores, cada vez mais focados em si mesmos e os personagens, meras combinações de classes e poderes. Nisso, muito da riqueza e aspecto pedagógico e moral do RPG se perde. E como se não bastasse, para “dar mais liberdade” aos jogadores, a WotC tem trabalhado sistematicamente para incentivar os jogadores a criar personagens cada vez mais vazios e como vimos em D&D 2024, pervertidos.

No vídeo, o “Professor Dungeon Master” faz uma observação muito interessante sobre como funciona a cabeça da maioria dos jogadores no sentido de querer poder sem ter que se preocupar com consequências, mas penso que isso pode, e na verdade, deve ser melhor trabalhado pelos mestres. O RPG é, antes de tudo, uma fonte de entretenimento. Mas minhas décadas como mestre me ensinaram que na memória dos jogadores, o que realmente fica não são os poderes de seus personagens ou o nível que cada um chegou, mas sim pequenos momentos de roleplay (bons e ruins) e situações em que eles, como grupo, tiveram que colocar diferenças de lado e trabalhar como um só para superar um grande mal, independente do resultado final. O sentimento de auto realização que vem desse tipo de comprometimento com uma causa, com os companheiros ou com algo maior é muito mais relevante e marcante do que combos na planilha ou acertos críticos.

Em suma, assumir as consequências de nossos atos é algo extremamente importante para crescermos, aprendermos e nos tornarmos pessoas melhores. Poupar os personagens disso apenas para não ofender sensibilidades é um desserviço, tanto para a campanha quanto para o próprio jogador.

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