quarta-feira, 30 de agosto de 2023

Salvatore e a real inclusão em D&D

Saudações, guerreiros da Luz.

Quem vem acompanhado a “evolução” do D&D nos últimos anos notou um trabalho sistemático por parte da WotC em apagar “pedras fundamentais” que caracterizam as raças clássicas do jogo enquanto, ironicamente, falam constantemente sobre a importância da diversidade; Orcs não podem mais ser descritos como seres violentos e agressivos e drows não podem ser vistos como seres malignos e manipuladores, porque segundo a direção da WotC, isso “é uma descrição racista que pode levar as pessoas no mundo real a cometer atos preconceituosos contra pessoas de etnias minoritárias”, da mesma forma que anões e halflings não podem ser descritos como normalmente leais e bons porque isso “restringe a liberdade de escolha dos jogadores e os impedem de fazer um personagem único”.

São argumentos vazios e desprovidos de qualquer sentido real, que servem apenas para fins mercadológicos e panfletários, como muitos fãs já pontuaram em fóruns de discussão, mesmo sabendo que os desenvolvedores do jogo, novamente, os taxariam como uma verdadeira massa de trolls. Ainda assim, lembro de ter lido uma pequena entrevista com R. A. Salvatore (criador de Drizzt Do'Urden) em que ele, em outro contexto, explica muito bem a importância de se trabalhar esses conceitos e como eles ajudam a criar a real diversidade na fantasia e personagens verdadeiramente únicos.

Contextualizando um pouco, Salvatore estava falando sobre o processo de criação de toda a mitologia acerca dos elfos negros. A estrutura matriarcal, as intrigas políticas, o culto à Lolth e o mal que permeia cada camada da sociedade dos Drows. Ele disse que mesmo entendo o problema real que é o racismo em nosso mundo, não faria um “reboot” de nada daquilo que foi criado anteriormente, porque se trata de uma raça fantástica dentro de um mundo de fantasia, e que a história é algo que deve ser respeitado, não apagado e refeito conforme o tempo passa.

Mas a principal razão pela qual ele se posicionou contra esse reboot foi o respeito que tinha pelos fãs. Segundo Salvatore, ele recebeu ao longo das décadas centenas de cartas de fãs agradecendo pela criação do personagem Drizzt porque muitos deles haviam, pela primeira vez, realmente se identificado com um personagem de fantasia. Um detalhe muito interessante aqui é que essa identificação não se deu por conta de características físicas como porte e cor da pele, mas sim pelo fato de Drizzt ser um indivíduo de bom coração que cresceu em um ambiente completamente tóxico mas que, com muito esforço, conseguiu se libertar dele e trilhar seu próprio caminho na luz.

Em momento algum Salvatore associou a maldade dos drows à cor de sua pele, ao contrário do que algumas pessoas insistem em dizer nos dias de hoje. Eles eram malignos porque, como raça, abraçavam aquele modo de vida e desprezavam tudo aquilo que era diferente. Em seu último trabalho, Salvatore construiu duas novas “sociedades” de elfos negros que renegaram a influência maligna de Lolth e seguiram seus próprios caminhos de forma reclusa. Isso criou um grau interessante de diversidade para a raça, e sem apagar toda sua história, mostrando como "reparações" devem realmente ser feitas. Mas acima de tudo, o trabalho de Salvatore mostra que existe inclusão em D&D desde muito antes das almas perdidas que hoje chamam o jogo de "racista" terem sequer nascido.

Ainda sobre a obra de Salvatore, um dos grandes diferenciais de Drizzt que o tornaram único foi o fato de que ele era um herói puro vindo de uma raça/sociedade completamente maligna. Se esse personagem fosse construído nos moldes que os desenvolvedores do D&D estão fundamentando, ele seria um personagem completamente apagado, porque agora, a descrição “revisada” dos drows estabelece que apenas algumas cidades antigas seguem Lolth e seu culto maligno, enquanto o restante da raça combate esse mal sempre que o encontra. Este é mais um dos muitos exemplos que mostram que apagar a história de uma raça e suas características não ajuda em nada a criar “personagens únicos” ou a valorizar a real diversidade. Muito pelo contrário.

Em relação à fala de que descrever raças como malignas incentiva o racismo no mundo real, eu pessoalmente discordo, e quando isso foi colocado, não houve nenhuma preocupação por parte da Wizards em mostrar qualquer evidência que embasasse uma suposição tão séria. Joguei RPG com diversos grupos ao longo dos últimos 20 anos, e tive contato com muitos outros por meio da blogosfera, e nunca vi ou ouvi falar de um caso em que um jogador, por estar acostumado a lidar com orcs sedentos de sangue, começou a hostilizar uma determinada etnia associando a mesma aos orcs ou outra raça fantástica. As pessoas no mundo real que apresentam esse comportamento deplorável o fazem por conta de sérios problemas de valores, não porque jogam RPG. Um problema sério que vejo em relação à "moral" progressista dos dias de hoje é que ninguém precisa mais assumir responsabilidade sobre seus erros. Tudo, invariavelmente, é culpa de outros.

Se desejamos real diversidade em nossos mundos de campanha, é importante preservar a identidade e cultura das raças predominantemente boas e más, porque quanto mais distante essa identidade estiver dos humanos (raça normalmente dominante em termos demográficos), mais rico o mundo será. Tratar essas raças como indivíduos de cultura fraca e os inseri-las como figuras comuns dentro de sociedades humanas é uma falta de respeito ao que elas representam, e nisso estamos reduzindo brutalmente o grau de real diversidade de um mundo de fantasia, independente de quantas cores de pele diferentes os humanos exibam em uma cidade.

Assim, se queremos real diversidade e possibilidade de criar personagens verdadeiramente únicos, o caminho é preservar e fortalecer a cultura das raças fantásticas, e não o contrário. Um elfo negro paladino e um orc clérigo de Pelor são personagens realmente memoráveis em um mundo onde suas raças são predominantemente malignas, e não onde seus povos possuem uma cultura fraca e diluída. Por fim, se alguém comete atos de racismo no mundo real, a culpa é unicamente deste indivíduo, e não dos pobres orcs. Mas a WotC sabe disso, e mesmo assim, escolhe desprezar e ofender seus jogadores, chegando ao ponto de literalmente dizer para jogadores brancos deixarem o hobby. Por isso, reforço que podemos continuar jogando D&D, o verdadeiro D&D, mas que qualquer apoio dado à WotC, além de indigno, só contribuirá para a destruição e descaracterização do jogo. Se para seu grupo edições mais antigas do jogo ou mesmo o "core" de D&D 5e lançado em 2014 não basta, minha sugestão é que busque algo novo em jogos de D&D de empresas que respeitam seus jogadores, como Lord of the rings 5e, Castles & Crusades e Old Dragon 2.

4 comentários:

  1. Concordo com tudo que disse Senhor dos Ventos. Independente de toda a panfletagem, a muito tempo bato nessa questão de que as raças são facetas, alegorias ou símbolos humanos e não humanos com purpurina. Tentativas de relativizar as raças fantásticas apenas tira a fantasia das mesmas. Minha posição puramente como consumidor é que se eu pegasse um cenário em que todas as raças são humanos com roupagem e efeitos especiais diferentes, simplesmente não permitiria que elas fossem jogáveis e as coloria nas periferias do mundo, desse modo eu ressaltaria a complexidade humana e preservaria o sentido de estranheza dessas raças.

    É engraçado notar que os identitários estão justamente no polo oposto da mensagem da obra de Salvatore. Enquanto a história de Dritz é baseada como ele não é condicionado pela sua raça, os identitários montam uma perspectiva em que a raça é o princípio condicionador de tudo. Assim através de seu desentendimento, querem mudar a obra original. Como Salvatore está conseguindo equilibrar esses pratos, eu não sei.

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    1. Você realmente tem o dom da retórica, nobre Sonhador. Eu não teria colocado de forma melhor. A relativização das raças fantásticas apenas tira a fantasia das mesmas, comprometendo todo o mundo fantástico e suas histórias no processo. E realmente, enquanto a história de Drizzt é norteada pela ideia dele não ser condicionado pela sua raça, os identitários ao mesmo tempo que criticam, querem uma perspectiva em que a raça é o princípio condicionador de tudo, conforme seus próprios julgamentos pessoais.

      Salvatore contornou de forma bastante profissional a questão em sua última trilogia (não terminei de ler ainda o primeiro livro, mas já foi possível sentir o que ele está fazendo e onde quer chegar), mas infelizmente, me parece que ele irá destruir Menzoberranzan e tudo o que ela representa, algo há muito solicitado pela WotC. No entanto, ele não mudou uma linha sequer da história dos drows, apenas acrescentou outros dois grupos étnicos, e os indícios apontam que ele trará a história do próprio Drizzt ao fim com esse último livro. Pessoalmente, creio que ele seguirá esse caminho porque a WotC já deixou claro que não quer mais estar associada a "escritores brancos" e da era do AD&D. Lamentável.

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  2. Gronark, o Senhor do "Amor"31 de agosto de 2023 às 09:44

    O D&D mudou para refletir os padrões “inclusivos” do mundo “atual”, Senhor das Brisas! Agora ninguém mais é maligno ou bondoso, salvo se for um homem branco, hétero e cristão. É necessário perceber que os novos jogadores “precisam se ver” nos personagens, e por isso agora as “espécies” foram “humanizadas”, afinal orcs, drows e tieflings representam uma etnia muito especifica de pessoas, na cabeça dos meus servos é claro, e agora irão receber muitas “reparações históricas”. Agora os orcs são o arquétipo do bom selvagem tribal incompreendido que é sexualizado por mulheres que gostam de ler livros como “Crepúsculo” e “50 Tons de Cinza”. Os drows agora são tudo menos drows, e a reparação oficial já começou no jogo Gomorra’s Gate 3, com o casal de irmãos sodomitas. Já os tieflings estão mudando a visão que as pessoas tem dos demônios, e muitas pessoas que se “identificam” com os chifrudos já estão se revoltando contra o preconceito estrutural que os pobres filhos do Abismo sofrem, só ver o vídeo a seguir HAHAHAAHAHAHA

    https://www.youtube.com/watch?v=75gicIXy__g

    Falando em tribal, agora essa palavra vai ser trocada por "Typal", por ser mais “inclusiva, nos novos produtos feitos pelos Bruxos da Costa. Tudo em nome da inclusividade e para aplacar pessoas que nem jogam o jogo, HAHAHAHAHAHAHAHA

    https://www.youtube.com/watch?v=mxs1QBeyUlo

    (O que a Wizards quer é descaracterizar a história do jogo completamente para tentar atrair as pessoas que reclamam. Ela quer é ganhar dinheiro e não se importa se as pessoas jogam o jogo ou não. No fim ela vai acabar que nem a FFG que arruinou L5R.

    O Sonhonauta, o RPGpundit, o Senhor dos Ventos e eu já tocamos nesse assunto sobre “apropriação cultural” e as pessoas terem que se “ver” nos personagens. O que gera as tolices de hoje em que não se pode jogar com personagens humanos de etnias/culturas diferente da do jogador sem ser apedrejado pelos desocupados. Segundo essas pessoas, eu sou proibido de jogar com o Suang Liang, que é um espadachim taoísta (bladesinger) humano, não importando se eu pesquisei sobre a cultura chinesa e o gênero de histórias “wuxia”. O histórico dele é bem simples: Ele deixou a Seita da “Espada Celeste” pra procurar a irmã mais nova, que fugiu de casa pra não ter um casamento arranjado, e cruzou a estrada da seda até chegar em Flanaess. Inaceitável nos dias de hoje, mas se eu fosse chinês, aí ele seria um personagem altamente exaltado e diverso, Isso deixa qualquer RPG ou história mais pobre.

    Sobre o Salvatore, eu dei uma olhada nesses últimos livros e dá pra ver que ele quer encerrar a história do Drizzt pela mais pura pressão da Wizards. No fim os drows vão virar uns elfos genéricos, com a diferença que eles irão ser mais sodomitas por conhecerem o “truque de língua de Menzoberranzan”, hahahahahaha

    Nos jogos aqui os drows continuam sendo os drow clássicos, a diferença é que agora tem os “Olve Tel’ssir”, que são os drows que abandonaram Lolth para seguir o caminho da luz na superfície, tanto que a única diferença em regras é que eles não sofrem penalidade quando expostos a luz forte. Mas eles só não sofrem preconceito em Ulthuan, fora da ilha as pessoas (incluindo alguns elfos que chegam a questionar a rainha Arawynn sobre permitir eles viverem em Ulthuan) ainda tratam eles como drows.

    Os orcóides no nosso jogo incluem os goblins e os orogs (que ficaram no lugar dos bugbear) já que o Gruumsh (que na nossa mesa é Neutro e Mal pra equilibrar com as edições mais antigas) matou e devorou o deus Maglubiyet, e são mais similares aos peles-verdes dos quadrinhos dos “Elfos, Anões, Orcs & Goblins” da Soleil. Eles ainda são uma raça predominantemente maligna, mas há muitos “neutros” entre eles que pode virar aventureiros, e até mesmo uns raríssimos bondosos, com o Gurbon, que um clérigo de Rao (deus da paz, misericórdia e redenção).

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    1. Seu ardil está desmascarado, Gronark. Seu objetivo, compartilhado por seus sórdidos cultistas, nunca foi a inclusão ou "tolerância", foi apenas relativizar o mal, doutrinar os incautos nos caminho do Caos e estimular a agressão contra qualquer instituição ou linha de pensamento que zele pela ética e moral. Seus servos Bruxos da Costa falando sobre inclusão e representatividade é ainda mais ridículo quando lembramos que um de seus grandes bruxos expulsa jogadores brancos do hobby. Haverá consequências para isso, escreva minhas palavras.

      (Concordo com tudo o que disse. E no fim, a WotC destruirá D&D da mesma forma que a FFG destruiu L5R. Penso que entre 2025-2030, teremos uma "Sexta Edição" tentando recolher os cacos disso tudo, mas até isso será extremamente difícil de ser colocado em prática por conta da forma como a WotC tem massacrado as bases do jogo. Na minha opinião, D&D continuará vivo e sendo jogado por meio de suas edições antigas, especialmente D&D 3.5. Penso que ele retornará a ser um jogo de nicho, o que, sejamos sinceros, seria ótimo.

      Este absurdo sobre identificação dos jogadores em seus personagens é algo que além de não fazer sentido, é prejudicial à pessoa, que acaba misturando as coisas e, além de comprometer a diversão do jogo, compromete também suas relações pessoais no mundo real. Mas é nesse público que a WotC está mirando. Pessoas autocentradas que vivem na internet para fugir da realidade. O que eles não percebem é que essas pessoas não jogam RPG de modo consistente. O que elas realmente querem é continuar fantasiando em redes sociais. Como comentei no blog de Elgalor, acho Suang Liang um excelente personagem. Mas hoje, ele seria repudiado pelo simples fato de você não ter descendência asiática (o que não faz o menor sentido). Não devemos deixar de criar bons personagens e contar boas histórias por receio de ofender ativistas desocupados, mas reconheço que jogar com um personagem assim em uma mesa online aberta seria receita para ter problemas.

      Sobre Salvatore, minha impressão é que ele quer realmente terminar a história de Drizzt para não correr o risco da WotC, daqui há um ou dois anos (quando o desastre dessa nova filosofia não puder mais ser escondido) desejar "trabalhar" com o personagem e seu universo.

      Em minhas campanhas, orcs e drows seguem suas versões clássicas, e são "maus até o último fio de cabelo". O mesmo orgulho que os elfos da superfície e os anões têm de suas tradições, eles têm da deles. No caso dos drow, a exceção são as comunidades que seguem Eilistraee (que também são orgulhosas da decisão que tomaram). Eles obviamente sofrem preconceito do restante dos drows, mas tanto Lolth quanto as Matriarcas não hostilizam essas comunidades a menos que necessário, porque, na visão delas, Eilistraee está fazendo um serviço ao retirar da sociedade drow os fracos. Os orcs, por exemplo, se consideram senhores do mundo porque Gruumsh ensina que eles, e não os elfos ou anões, foram a primeira raça mortal a ser criada. Por orgulho e conveniência, essa mensagem é amplamente aceita pelos membros da raça e pelos goblinóides dominados por eles. Um orc de Elgalor gargalharia terrivelmente se alguém lhe perguntasse se ele se sente "discriminado". Para os orcs, a aversão e ódio que despertam em outras raças se dá por inveja de sua força (a crueldade, para eles, também é vista como um sinal de força), e eles estão certos em agir assim, porque temem, e sabem que um dia, os orcs dominarão o mundo e todos os seus inimigos serão mortos das formas mais terríveis possível. Resumindo, tanto do lado do bem quanto do mal, todos são fortes, e ninguém é "coitado". Semelhante ao que ocorre na Terra-Média e em Warhammer Fantasy.

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