Anos atrás, quando
voltei a escrever motivado pela execração de tudo aquilo que era sagrado no RPG
e fantasia medieval no pré e pós pandemia, uma das coisas que mais me
incomodaram foi ver a forma como clérigos estavam sendo retratados. Em 2022,
quando voltei a ler a respeito, fiquei pasmo em ver como a questão da devoção
aos deuses e a religião estavam sendo sutilmente descartadas, dando lugar a
poderes divinos que eram atribuídos aparentemente do nada, exigindo pouco ou
nenhum comprometimento por parte do clérigo.
Três anos se
passaram, e como era esperado, a situação não melhorou. Hoje, por meio de romances
e HQs fracassados licenciadas pela WotC e shows “modernos” como a Lenda de Vox
Machina e Mighty Nien, vemos os clérigos transformados em verdadeiros
mandingueiros, que “negociam” poderes com “entidades sobrenaturais” guiados
pela conveniência e paixões atuais. Completamente oposto ao clérigo que tínhamos
nos tempos de AD&D e D&D 3. Completamente opostos aos dedicados servos
dos deuses, que viviam conforme o dogma de seu deus sendo um exemplo a ser
seguido, um sábio, um mestre e um professor. Aquele que antes era o pilar moral
do grupo hoje foi reduzido a (mais) um personagem egoísta, vazio,
indisciplinado e moralmente fraco.
Desde o
lançamento da quarta edição de D&D, pudemos notar uma mudança preocupante
na forma como paladinos e clérigos passaram a ser tratados em termos
conceituais, e isso, infelizmente, foi fundamentado na 5ª edição do jogo e
agora, com a chegada de D&D 2024, foi “sacramentado” pelos poderes do Caos.
No Livro do
Jogador de D&D 5ª Edição, o clérigo é descrito como um agente dos deuses,
como sempre foi em edições anteriores. No entanto, quando o jogador começa a
criar o personagem, ele se depara com domínios, e não com deuses em si. É
verdade que em cada domínio há uma pequena lista de divindades pertinentes, mas
não há, em momento algum, qualquer descrição daquelas divindades (isso só viria
dois anos depois, em um suplemento voltado para Forgotten Realms, e ainda
assim, de forma bem modesta). Dessa forma, um jogador iniciante constrói seu
clérigo com base puramente nos Domínios que apresentam poderes que considera
mais interessantes, mas a essência do clérigo, que é o deus que ele segue e
representa, foi propositalmente obscurecida e colocada de lado.
Essa ausência proposital dos deuses no livro do jogador me incomodou no início, mas em 2014, quando o livro saiu, pensei ser apenas uma implicância da minha parte. No entanto, conforme novos domínios foram surgindo, foi ficando cada vez mais claro que o que importava para os clérigos em D&D 5ª edição eram poderes de domínios, e não divindades. As divindades, quando mencionadas em livros e suplementos, eram mais tratadas como um aspecto de fundo em certos cenários, e algo que não precisava ser visto com muita atenção, já que o que importa é a “liberdade” para montar seu personagem “sem amarras”.
Tanto que no sofrível
The Wild Beyond The Witchlight pôde observar, além do costumeiro festival de
horrores na forma de panfletagem subversiva, temos Mercion, uma clériga que é
descrita perfeitamente dentro do ideal de “mulher empoderada” e, conforme a
agenda pede, ela também é ateísta, dadas as devidas proporções do termo quando
tratamos cenários de fantasia. Ela não cultua nenhum deus, nem mesmo os
reverencia. Todo o poder divino que canaliza vem de dentro dela própria.
Afinal, por que um clérigo precisaria de um deus?
Diante dessa
situação deplorável e desrespeitosa, o melhor que nós, veteranos que tivemos a
benção de conhecer o jogo em outra época, podemos fazer, é barrar tal
profanação em nossas campanhas e lembrar os jogadores o que um verdadeiro
clérigo é. Nesse contexto, tenho dois exemplos da fantasia que, em minha
opinião, são extremamente preciosos.
O primeiro deles
é Lua Dourada da ambientação Dragonlance. Uma mulher verdadeiramente forte por
conta de sua humildade, fé e devoção. Em um tempo em que os deuses haviam
deixado o mundo, junto de seu companheiro Vendaval ela buscou sinais dos deuses
e devido a sua compaixão, bondade, força de caráter e fé, foi escolhida como a
escolhida de Mishakal, a deusa da cura. Quando brigas e discussões rompiam no
grupo, era dela a voz suave, porém firme dela que acalmava os ânimos e unia.
Quando o medo, desesperança ou desespero começavam a tomar os corações dos
heróis de diferenças formas, era a luz dela que os lembrava de quem eram e da
importância daquilo que precisavam fazer.
O segundo
exemplo pode gerar certa controvérsia, mas é Gandalf, de O Senhor dos Anéis. Estou
ciente que Gandalf é visto acertadamente como um excelente exemplo de mago, mas
se considerarmos sua origem, missão como agente divino, e personalidade,
notamos que em termos ideológicos, ele é muito mais próximo de um clérigo do
que de um mago; ele foi enviado por Poderes Superiores com a missão de guiar os
povos livres (guiar, não liderar) na luta contra a Sombra. Ele recebeu poderes
divinos para ajudar nessa missão, e sempre agiu como conselheiro, sábio,
protetor e guardião; ele sempre foi a “rocha” na qual a Sociedade do Anel se
formou. Ele não foi o grande herói da história, mas sem suporte, sabedoria e
forte presença, nada teria sido feito.
Para Lua Dourada
e Gandalf, o bem-estar do grupo e sua missão sagrada estava sempre em primeiro
lugar. Ambos se sacrificaram, de diferentes formas, para proteger e orientar
seus companheiros, e deram tudo o que tinham para que no fim o bem pudesse
prevalecer. Isto é um clérigo de verdade. Alguém que por meio da devoção e
sabedoria nos guia nos momentos mais escuros, trazendo a melhor versão de nós
mesmos que existe dentro de cada um.
Este é o exemplo que devemos seguir, não os mandingueiros egoístas e patéticos que os Bruxos da Costa e seus “influencers” tentam nos empurrar para afastar os mais jovens daquilo que é certo, moral e divino.








