“ É razoável dizer que cada tempo tem
suas malesas, mas um grande mal sempre acomete as pessoas independente da época
em que vivam. O mal de pensar que a resposta para todos os seus problemas está
no novo, no que ainda está por vir. Esse pensamento cria uma sensação constante
de ansiedade, deixando o indivíduo muito mais suscetível a ser mal orientado e manipulado.
Aprendam, jovens, que a resposta não está no futuro. Está na compreensão e uso
sensato dos ensinamentos dos mestres do passado”.
- Grande Patriarca Miklotov, 1º Sumo-Sacerdote
de St. Cuthbert no mundo de Elgalor.
Saudações, guerreiros da Luz.
Assim como a maioria dos veteranos e
verdadeiros jogadores de D&D, acompanhei com horror as notícias que
chegaram nos últimos meses sobre o novo “D&D”, intitulado pelos Bruxos da
Costa como “D&D 2024”. Se em D&D 5e de 2014 havia poucas coisas a serem
elogiadas (as raças do jogo são muito bem descritas e caracterizadas no livro
do jogador), essa nova edição destruiu qualquer vestígio da essência e moral de
D&D que havia sobrevivido à famigerada 4ª edição e aos esforços pós pandemia de transformar a 5ª Edição em um MMO de papel repleto
de sensibilidades e debilidades que infelizmente marcam a cultura ocidental dos
dias atuais.
Durante algum tempo, alguns outros
jogadores descontentes com os rumos da 5ª edição produziram novos jogos, como
aconteceu com os excelentes Tumbas & Tigres, Old Dragon II e a mais nova
versão de Castles & Crusades. No meu caso particular, segui a linha de
outros, como a Free League Publishing (Lord of the Rings 5e) e procurei
trabalhar D&D 5e de forma a trazê-lo o mais perto possível daquilo que o
jogo era na época de AD&D e D&D 3e. Todos esses esforços, apesar de
admiráveis, surtem pouco efeito, uma vez que jogadores atuais não desejam
aprender novos sistemas, especialmente sistemas que apreçam mais restritivos, e
muito menos jogar uma aventura de fantasia medieval com regras caseiras quando
podem jogar uma aventura estilo super-heróis com D&D 5e.
Por essa razão, daqui em diante
dedicarei nesse espaço tempo para mostrar o valor da última boa encarnação de
D&D, a 3ª Edição. Mesmo eu pessoalmente preferindo AD&D, reconheço que
mecanicamente D&D 3e é melhor desenvolvido, e com poucos cuidados (sim, “cuidados”,
e não “ajustes”) ele oferece uma experiência de jogo muito superior à de
D&D 5e em todos os sentidos.
Neste primeiro pergaminho, tratarei
de algumas inverdades e preconceitos que têm surgido contra a 3ª edição nos
últimos anos. Depois, trarei algumas regras opcionais simples que utilizava em
minhas campanhas de D&D 3.5 (meu grupo aderiu a essa versão, mas de modo
geral, preferíamos a original, e por isso, retrocedemos D&D 3.5 em alguns
pontos) e que agregavam muito valor. Mas por hora, analisemos as principais
críticas de D&D 3e e reflitamos o quanto de verdade elas de fato carregam:
1) D&D 3e É MUITO MAIS COMPLICADO E DIFÍCIL DE JOGAR DO QUE D&D 5e
Isso não é verdade. A criação de
personagens em D&D 3e, por exemplo, é mais rápida do que a de D&D 5e,
já que não temos o conceito de background. Em termos de regras, sim, D&D 3e
tem regras para tudo, mas isso não significa que todas precisem ser aplicadas
para um bom jogo, e não significa, de modo algum, que jogadores e mestres
precisem conhece-las a fundo. D&D 5e trabalha com mecânicas de ações bônus,
ações livres, vantagem e reações, que com frequência são mais complicadas do
que os criticados “bônus de circunstâncias” de D&D 3e. Apesar do sistema de
perícias de D&D 5e ser mais simples e enxuto (o que tem um lado muito
positivo), o de D&D 3e, apesar de exageradamente complexo, só representa um
trabalho real para personagens Ladinos e Bardos. Guerreiros, clérigos, magos,
paladinos e feiticeiros precisam escolher apenas 2 perícias + modificador de
Inteligência e se focar nelas. D&D 3e não é perfeito, mas não é complicado,
além de ser muito mais verossímil do que D&D 5e. E como costumo dizer a
meus jogadores, é melhor ter no livro uma regra que não precisamos usar do que
precisar de uma regra e ela não existir (o que acontecia com certa frequência quando
jogávamos D&D 5e).
2) D&D 3e É IMPOSSÍVEL DE SE CONTROLAR PORQUE EXISTEM MUITOS LIVROS E
SUPLEMENTOS, O QUE FAVORECE DEMAIS O JOGO BASEADO EM PERSONAGENS DE “COMBOS”.
Outra crítica que não é verdadeira.
Todos os suplementos oficiais de D&D 3e começam com a indicação de que
aquele conteúdo é OPCIONAL e pode ser usado apenas com a permissão do mestre. Todos
os suplementos de D&D 3.5 voltados para jogadores (sejam eles oficiais ou
não) usam como atrativo de venda a ideia de deixar os personagens jogadores
mais fortes por meio de classes de prestígio, e praticamente todos eles são
livros ruins que, admito, não deveriam existir. Mas considerar o sistema
problemático por conta disso é um forte exagero. Meu grupo, como muitos dos
mais antigos, utilizava apenas os três livros básicos e alguns suplementos de
ambientações e bestiários. Classes de prestígio eram proibidas a menos que
aparecessem em um desses livros e fizessem muito sentido na campanha. Isso não
impediu que fossem criados personagens memoráveis e divertidos. Pelo contrário,
nos incentivou a buscar soluções para melhorar as “classes quebradas” (monge e
bardo) de modo que as mesmas passassem a funcionar bem e de acordo com o que
cada jogador esperava.
3) PARA SE CRIAR UM BOM PERSONAGEM EM D&D 3e É PRECISO CONHECER MUITO
BEM AS REGRAS E TODOS OS SUPLEMENTOS
Das três principais críticas, esta,
em minha opinião, é a mais absurda. É verdade que D&D 5e, por meio de suas
subclasses e independência de feats/talentos, traz personagens “prontos” que
tecnicamente são poderosos em seus nichos. No entanto, as classes são tão
desequilibras e mal desenhadas que algumas são absurdamente mais poderosas do
que outras, a um ponto em que chega a ser engraçado. Em D&D 3e, se você
utiliza apenas os livros base, mesmo precisando escolher feats/talentos, mesmo
um jogador iniciante consegue criar um ótimo personagem com um pouco de leitura
prévia; se o jogador iniciante decidir fazer uma classe complexa como um mago,
por exemplo, tudo o que ele precisa está na classe de seu personagem e em suas
magias. Na hora de escolher talentos, basta ler os que são associados à magia e
estão disponíveis para seu nível atual. Se o mestre ajudar nesse processo (o
que sempre deve ser feito), a questão é resolvida em menos de 10 minutos quando
temos classes complexas, e em menos de 3 quando as classes são mais simples.
D&D 5e já traz seu personagem praticamente pronto, mas como as classes são
desequilibradas, isso não é garantia de se ter um bom personagem. Qualquer
dúvida nesse sentido, basta criar um monge ou ranger em um grupo que possui um
bárbaro ou paladino para entender bem a questão.
4) OS COMBATES DE D&D 3e SÃO MUITO LONGOS E MAIS COMPLICADOS.
Uma crítica menor, mas que também
aparece. E assim como as outras, não é verdadeira. Há em D&D 3e muitos
modificadores a serem contados. O número de ataques desferidos, em vários
casos, também é maior. Esses dois fatores, quando combinados a um grupo de
pouca experiência ou com dificuldade para fazer pequenos cálculos, realmente
faz o combate ser mais demorado do que gostaríamos. Mas não há complicação
alguma aqui, apenas um pouco de lentidão por conta de pequenos cálculos
matemáticos. Em D&D 5e, em contrapartida, é preciso gerenciar muito mais
ações (reações, ações bônus, ações livres, desengajar...) e isso sim torna o
combate mais lento e complexo. Outro ponto a ser considerado: Enquanto em
D&D 3e magias como Benção concedem um bônus fixo (ex: +1), em D&D 5e
isso é feito pela rolagem de dados (ex: +1d6), e mesmo com o número menor de
ataques por rodada, esses fatores tornam o combate de D&D 5e mais complexo
e um pouco mais demorado do que o de D&D 3e.
Em suma, D&D 3e não é complexo,
difícil ou inacessível, pelo contrário. E por poder ser baixado gratuitamente com facilidade, é um jogo que vale à pena se conhecer ou voltar a jogar quando
nosso objetivo é jogar uma boa aventura de fantasia medieval, que honre
clássicos como Dragonlance, O Senhor dos Anéis e tantos outros. Mas se o
objetivo do grupo é brincar de “Avengers” usando espadas e cajados sem o risco
real de derrota ou morte, D&D 5e e principalmente Wokes & Dragons 2024, são opções mais apropriadas.