sexta-feira, 1 de setembro de 2023

D&D de Valor: Lord of the Rings 5e

Saudações, guerreiros da Luz.

Em 2014, comecei a mestrar D&D 5e, e até 2017 conduzi duas campanhas interligadas, onde os personagens jogadores foram do 1º ao 11º nível. Aplicando diversas adequações e regras da casa, foi possível contar uma história de fantasia medieval, no moldes antigos, onde há real desafio e os aventureiros precisam pensar e trabalhar juntos para serem bem sucedidos. No entanto, alguns problemas ainda persistiam:

- A magia em D&D 5e é banalizada, já que todas as classes a possuem. 

- A recuperação de ferimentos deixou de ser um problema ou desafio.

- Boa parte das classes era capaz de fazer “um pouco de tudo”, o que reduzia drasticamente a necessidade de um bom trabalho em equipe para superar desafios. Qualquer um poderia, por exemplo, desarmar armadilhas, bastando ter o background correto.

Em suma, o jogo se tornou fácil e previsível demais, e isso comprometeu o fator diversão.

Ao longo dos últimos anos, diversos novos jogos e suplementos surgiram trabalhando D&D 5e de formas sutilmente diferentes, mas, em última instância, sem resolver nenhum dos problemas acima. E pior, com o fortalecimento da subversão progressista no RPG, fomos descendo gradativamente a novas Camadas do Abismo, com a remoção de termos e conceitos clássicos que pessoas desequilibradas resolveram taxar como “preconceituosos”. No entanto, este ano a Luz dos Valar começou a brilhar sobre D&D 5e, para minha mais absoluta surpresa.

Sempre fui um grande fã de D&D (do verdadeiro D&D) e admirador incondicional do trabalho do mestre Tolkien, que conferiu muitas das bases que deram origem ao D&D. E apesar de haver adaptações competentes de O Senhor dos anéis para RPG desde o início dos anos 2000, nunca houve uma que me chamasse a atenção. Recentemente, tivemos um bom exemplo, o Adventures in Middle Earth da Cubicle 7, que trouxe uma boa forma de se jogar D&D 5e como um jogo de fantasia, não HQ de super-heróis, mas ainda assim, para mim não foi capaz de realmente trazer a Terra-Média para D&D. Sei que é preciosismo da minha parte, mas para mim, é inconcebível imaginar Aragorn (que provavelmente seria um ranger ou guerreiro de máximo nível) com 200 pontos de vida.

No final de 2022, no entanto, a Free League Publishig (companhia Sueca) adquiriu os direitos de publicação de jogos de RPG no universo de Tolkien, e lançaram, há poucas semanas, Lord of the Rings 5e, com a premissa de trazer a Terra-Média verdadeiramente para D&D 5e. Eu ganhei o PDF do livro de presente, e fiquei muito surpreso com a qualidade do material.

Todas as raças do jogo são muito bem descritas e representadas. O jogo traz elementos chamados “Virtudes” (equivalem a versões menos poderosas dos Talentos de D&D) onde cada raça e cultura tem suas próprias Virtudes para escolher, indo totalmente contra a ideologia vigente em D&D de que “todos podem ser e ter o que quiserem”. Anões são anões de verdade, não humanos baixos. Elfos são seres praticamente angelicais, e não humanos com orelhas pontudas. Todos têm suas culturas, tradições e valores. Mesmo entre as culturas da Raça dos Homens, podemos ver isso com clareza.

As classes são outro ponto alto. Há apenas seis classes, diretamente ligadas a arquétipos importantes dos livros de Tolkien, e elas seguem apenas até o 10º nível. Interessante notar que todas elas tratam o personagem como um herói no combate à Sombra. Não há relativismos, tons de cinza ou coisas semelhantes. Personagens aventureiros em LotR 5e são heróis, ponto final. Eles podem, no entanto, ser corrompidos, o que trará consequências bastante desagradáveis, para o grupo todo. Apesar de haver regras opcionais para levar o jogo até o 20º nível, o nível de poder do personagem sobe pouquíssimo, de forma ainda mais modesta do que ocorre, por exemplo, com os personagens de 13º nível + em Castles & Crusades. Você pode em Lord of the Rings 5e criar um “Aragorn” como um ranger (aqui chamado de Warden para não confundir a classe com os Dunedáin) de nível máximo que dificilmente terá mais do que 90 pontos de vida, o que seria plausível, mesmo bastante heroico.

Em termos de magia, temos os “Crafts”, perfeitamente alinhados com a magia sutil da Terra-Média. Não há cura mágica para personagens jogadores, nem bolas de fogo para serem arremessadas à vontade contra inimigos. Mas ainda assim, a magia é forte e interessante de ser usada. A classe Scholar é a que melhor lida com esse recurso, lembrando Andriel, do excelente jogo Lord of the Rings War in the North. Mas há também magias com um caráter mais “bárdico”, “druídico” e voltado para forjar itens e armas mágicas.

Outro ponto muito interessante é a questão da Corrupção pela Sombra. Cada classe possui uma fraqueza ligada à sua principal virtude, e essa fraqueza começa a “incomodar” à medida que o personagem lide com itens e criaturas corrompidas ou testemunhe muitos atos de crueldade e desrespeito pela criação. Um bom exemplo é o da classe Champion (equivalente ao Guerreiro de D&D): Sua grande virtude é usar sua força e habilidade para proteger inocentes e destruir os Servos do Inimigo. Mas se não tomar cuidado, de tanto presenciar as atrocidades cometidas pelas crias de Sauron e Morgoth, sua fúria começa a tomar conta dele. Dando, como podem perceber, excelentes ganchos para roleplay de qualidade.

Viajar em si é algo importantíssimo na aventura de LotR 5e, como é nos livros de Tolkien. Há novas perícias criadas especificamente para organizar e otimizar essa atividade, e também como percebemos nos livros, recuperar pontos de vida em descansos não é algo simples. Durante viagens, Descansos Curtos só conferem recuperação de pontos de vida se têm duração de 8 horas. Descansos Longos, apenas em locais seguros e de confiança. Isso torna as missões muito mais perigosas, e o planejamento, muito mais necessário, especialmente porque a cura mágia, nas raríssimas ocasiões em que ocorrem, são muito menos potentes do que estamos acostumados em D&D 5e.

Por fim, é desnecessário dizer que ninguém simplesmente “entra em Mordor”. Enquanto em D&D 5e um grupo de personagens acima do 5º nível pode se jogar alegremente sobre uma turba de orcs, em LotR 5e, mesmo para um grupo experiente de aventureiros, é necessário cuidado. 4 ou 5 personagens acima do 5º nível podem ser triturados por um “mero” bando de guerra orc se não trabalharem bem em conjunto. E como a recuperação de pontos de vida é muito mais limitada, há um sério risco de vida em se enfrentar inimigos duas ou três vezes no mesmo dia. Semelhante ao que ocorre nos bons livros de fantasia, e como era antigamente nos bons RPGs do gênero.

Em termos visuais, o livro é magnífico. Todas as ilustrações são muito bem feitas, e representam o verdadeiro clima e personagens da Terra-Média. A diagramação e organização do conteúdo também foi feita de forma bastante competente.

Há muito para se falar sobre esse jogo, e dedicarei diversos pergaminhos para explicar melhor como funcionam as raças, classes, magias, patronos e inimigos. Mas independente disso, a todos que estão cansados ou aborrecidos com a experiência MMO de D&D 5e, recomendo fortemente que deem atenção a Lord the Rings 5e. Ele consegue, de forma bastante eficiente, trazer de volta ao D&D o clima de aventura, perigo e companheirismo que foi perdido nas últimas duas décadas.

Mesmo que seu grupo não deseje se aventurar pela Terra-Média porque "as maiores sagas já aconteceram" (um ponto plausível, destacado também por muitos fãs de Dragonlance em relação a Krynn), o sistema de jogo, sem nenhuma adaptação, é perfeitamente aplicável a um cenário de fantasia de baixa magia. Com alguns ajustes, pode inclusive ser utilizado em um cenário de alta magia, como Toril. Qualquer que seja o caso, este é um D&D que realmente vale à pena.

Minha opinião pessoal é que D&D pode ser perfeitamente jogado utilizando edições mais antigas, especialmente a 3a edição, cujos livros podem ser facilmente baixados de forma gratuita em diversos idiomas. Mas para aqueles que desejam algo novo, mas com "clima de D&D", Lord of the Rings 5e é uma excelente opção.

Aos interessados, mais informações podem ser obtidas no SITE OFICIAL do jogo.

3 comentários:

  1. Gronark, o Senhor do "Amor"2 de setembro de 2023 às 13:08

    Eu agradeço por divulgar o trabalho de meus cultistas, Senhor dos Tolos. Meus cultistas nessa editora se renderam ao politicamente correto e não usam mais a palavra raças, mas sim “culturas”. Não se preocupe, meus servos irão cuidar bem do legado do professor, só ver como vai ser a Guerra dos Rohirrim com a filha de Helm como heroína e a nova temporada de Senhores do Lacre. Tudo isso com a benção de Simon Tolkien, HAHAHAHAHAHAHAHA

    (Uma coisa que gostei desse livro foi a tabela pra criar histórico dos “monstros inomináveis”, dá pra usar em qualquer sistema de RPG. Mas o sistema desse livro só pode ser usado em campanhas de baixa fantasia, mas ele é bom, mesmo pagando o “pedágio” pra galera da lacração”.

    Sabe o que seria bom pra honrar o Professor? Usar a palavra hobbit pra se referir aos halflings de Elgalor da mesma forma que nós usamos aqui na mesa de Greyhawk. Com certeza nós respeitamos mais que o neto vendido, e se ele vier reclamar é só jogar umas moedas de cobre que ele vende até a palavra.)

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    1. Não se engane, demônio. Seus cultistas podem ter corrompido a obra do grande mestre, infelizmente, com a ajuda de seu neto traidor que arderá nas Camadas do Abismo, mas este jogo está a salvo de sua pérfida influência. A escolha da palavra "Culturas" se deu porque há vários povos pertencentes a raça dos homens, e principalmente, porque temeram serem "cancelados" por seus servos quando chegassem ao ocidente. Apesar dessa triste situação, a Free League tem honrado o legado do professor em cada página de seus livros até o momento.

      (Sim, concordo. Este livro é muito bom, e na minha opinião, o melhor D&D que saiu depois de D&D 3e, porque realmente honra as bases e o clima do jogo, mesmo com todas as suas limitações de escopo.

      Em Elgalor, criei os Elfos de Prata em homenagem aos guerreiros Noldor de Tolkien, assim como os Sete Clãs dos anões. Coran Bhael foi baseado em Fingolfin e Gil-Galad, e o rei Balderk, em Dain Ironfoot. Os halflings do cenário têm um comportamento e cultura idênticos aos hobbits, também como uma homenagem (tanto que Dallah Thaun não passa de uma lenda). Mas o que disse é verdade: poderíamos usar o nome hobbit nos livros, e se o Traidor reclamasse, bastaria jogar algumas moedas de cobre a ele. Como você bem colocou, nós (e uma verdadeira legião de jogadores antigos) honramos muito mais o bom professor do que ele jamais será capaz de fazer).

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  2. "A magia em D&D 5e é banalizada, já que todas as classes a possuem" - uma triste verdade. Na minha opinião, essa falha só não é pior que a dos descansos longos, que regeneram TUDO!

    Parece bem interessante essa versão de LotR. Parece que finalmente alguma luz está voltando a brilhar no mundo dos RPG... E que bom que cada raça tem suas diferenças no jogo. Outra falha do d&d5e é justamente essa de todo mundo poder fazer um pouco de tudo, e aí fica que nem você escreveu: os anões são só humanos baixos, os elfos são humanos de orelha pontuda, e por aí vai...
    Você chegou a ler algum livro do MERP? Se sim, porque essa versão atual é superior?

    No aguardo de mais pergaminhos a respeito desse livro!

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